Uma sociedade totalmente escravagista atualmente é algo completamente impensável, não somente em virtude ética como também em virtude econômica. Ora, por mais que haja pessoas à margem do consumo dos bens produzidos, temos ainda uma mentalidade de consumo que tenciona todo o género humano ao ciclo do trabalho e compra.

Em que sentido pode-se firmar a primeira tese, apresentada na primeira frase do parágrafo anterior? Ora, sem dúvidas, sob o fato de que a sociedade se transformou e estar estacionário é um sacrilégio contra a doutrina da constante evolução apontada pelo sistema de produção. Passou-se do caçadores-coletores, posteriormente os camponeses foram superados e até mesmo o proletariado teve algumas de suas faces arrancadas e transformadas - bem, veja que anteriormente o proletário era encarregado de grande parte da produção de um único bem, contudo posteriormente permaneceu exercendo apenas uma única atividade dentro da produção de tal bem (apertando parafusos, martelando, etc.).

Neste sentido, ainda, o sistema se transforma. Chamam alguns comentadores, mais ou menos próximos da popularidade, à época da primeira e segunda revolução industrial como uma economia mais selvagem. Espelham o paradigma sistemático atual em sociais-democracias, governos com aspirações sociais que alcançam o estado de bem-estar da população através de reformas. É o caso de vários países europeus, como os nórdicos.

Abstratamente, alguns afirmam: nada o patrão quer dar, todos desta estirpe são avarentos e se puderem escravizaram cada centelha de trabalhador que estiver jogado à mercê da sociedade de consumo e produção. Entretanto, afirmo outra coisa: a sociedade de consumo e produção só pode perdurar caso haja aspiração ideal ou concreta do trabalhador em persistir com a manutenção de tal sistema. O capitalista, patrão, precisa que o trabalhador aspire crescimento econômico[1], que o trabalhador esteja extremamente imerso na sociedade de consumo. O trabalhador desenvolve certos comportamentos prejudiciais para si e para os outros, como o fetiche por mercadoria (adquirir bens que existem apenas para gerar acúmulo monetário e não de valor objetivo na utilidade da coisa).

Para isto, supõem-se duas coisas: a possibilidade do trabalhador de receber mais dinheiro e, ainda, a sobrevivência do trabalhador. Sobre a segunda, criou-se através de parâmetros arbitrários ou rasos leis de trabalho como a lei do salário mínimo. Acerca do primeiro, o trabalhador sempre é nutrido com a possibilidade de poder subir de cargos, conseguir empregos melhores, enfim, de ter em suas mãos mais do que o necessário apenas para a sua sobrevivência: assim ele passa a buscar manter-se, com suas ambições e motivações, e manter a própria estrutura econômica.

Pode-se dizer, acerca do salário mínimo, algo básico: desvia a realidade da condição do proletário. É colocado o trabalhador sob um prisma meritório, não mais importa o estado qualitativo (explorado), mas o estado quantitativo. É o salário mínimo alienador.

Todavia, o salário mínimo e outros aparatos econômicos pautados no capital são essenciais para o desenvolvimento da sociedade.

“O estranho é que Marx foi o primeiro a perceber esse fato. Foi ele que nos informou, remontando ao passado, que a evolução do capitalismo privado com o mercado livre foi a condição prévia da evolução de todas as nossas liberdades democráticas“[2].

A livre concorrência, o livre mercado, o capital, a exploração são todos partes de um Processo. Para Marx, o Processo tem como finalidade, desejo, superar as controvérsias do sistema. Porém o próprio sistema é controverso. Deve, então, o sistema ser superado. Este ideal pós-capitalista de Marx pode ser tão encontrado na falta de formulações sobre a suposta sociedade pós-capitalista guiada pela revolução proletária, como também na visão positiva acerca do livre mercado exposta nessas linhas:

“Mas, em geral, nos nossos dias, o sistema do livre-câmbio é destruidor. Ele dissolve as antigas nacionalidades e leva ao extremo o antagonismo entre a burguesia e o proletariado. Numa palavra, o sistema da liberdade de comércio apressa a revolução social. É somente neste sentido revolucionário, senhores, que eu voto em favor do livre-câmbio”[3].

O direito dos trabalhadores está assegurado pelo desenvolvimento econômico. Mas não a partir dos próprios. Tais direitos são apenas cogitados enquanto proporcionar alguma vantagem econômica ao sistema e aos detratores do proletariado, a motivação das formulações destas leis é, no fim, a garantia de um desenvolvimento sistemático pautado em lucro. Com isto, os trabalhadores não têm seus direitos sempre atendidos, os sindicatos só conseguem força quando “falam grosso” com os patrões. O próprio Estado aliado aos burgueses não se importa para além de um condicionamento social: fazer seguir os contratos, supervalorizar os contratos, é ainda uma estratégia de controle social e de remediação de revoltas populares. O trabalhador reconhece o contrato como válido, pois o sistema projeta tal legitimação. Contratos injustos, contratos cujo contexto era desfavorável ao trabalhador, são, por vezes, legitimados.

Este é o motivo, por exemplo, das leis de trabalho não funcionarem em países de economia periférica como o Brasil. Além disto, pode-se replicar que o país é pouco industrializado para que estas mudanças sejam consumadas com menos aporias. Concordar com realmente é concordar com uma adequação real, mas também pode ser ignorar que o Brasil já se encontra em um estado depredatório que impede este desenvolvimento. As controvérsias, como pensava Marx, são expostas ao decorrer do Processo. Resta que as superemos.





Bibliografia

[3] Este crescimento econômico caracterizo como uma confusão de gênero. É abstrato. Colocou-se na cabeça do trabalhador que com o mérito necessário ele poderia produzir riqueza através do trabalho e atingir o mesmo patamar econômico que seu patrão: o pobre pode se tornar rico através do trabalho. Isso influenciou, também, as aspirações tecno-comerciais que podem ser observadas sobretudo em países como o Brasil: o fetiche por validação acadêmica a partir da idealização de que a graduação ou escolaridade pode transformar a classe social de alguém. Por fim, pode-se concluir: o patrão difere qualitativamente do empregado, independente do quanto o operário acumule quantitativamente ele não poderá ser da mesma classe social que o patrão sem que haja um salto qualitativo: deve tornar-se apropriador da força de trabalho de outrem e lucrar com o trabalho alheio.

[2] Hayek, A Caminho da Servidão

[3] https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/01/07.htm